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10 Junho 2019

Iminência de despejos em massa aumentam ainda mais o risco para defensores e defensoras de direitos humanos no estado do Pará

  • Front Line Defenders realiza missão ao sul e sudeste do Pará e denuncia onda de despejos e segurança precária para quem defende direitos humanos e luta pelo acesso à terra.
  • Urgente frear processos de reintegração de posse em áreas em litígio, como Fazenda Maria Bonita e Fazenda Santa Lúcia

Entre os dias 10 e 17 de maio de 2019, a Front Line Defenders realizou uma missão ao sul e sudeste do Pará. A convite da Comissão Pastoral da Terra - CPT, a Coordenadora de Proteção para América Latina participou de uma comissão que se reuniu com lideranças de movimentos sociais e advogados defensores de direitos humanos em Marabá, Xinguara, Redenção, Parauapebas, Eldorado dos Carajás, Canaã dos Carajás e Pau D’Arco. Além disso, também visitou diversas áreas de risco para quem luta por ter seu direito à terra garantido.1

Historicamente, o estado do Pará registra os mais altos índices de violência relacionada a questões agrárias no Brasil. A grande concentração de recursos nas mãos de poucos traz como resultado uma tensão crônica entre quem tem terra e quem não tem. Isso cria uma situação de violência infelizmente previsível que afeta também a vida daqueles que defendem os direitos humanos. São “mortes anunciadas”, como mencionado repetidamente em entrevistas realizadas durante a semana. Famílias que vivem em áreas de conflito vivem sob ameaça de ataques constantes, que vão desde ameaças de morte, tortura, cativeiro, casas incendiadas, cercas sendo cortadas, envenenamento por pulverização aérea de pesticidas e tiro em casas e veículos. A maioria desses casos não conta com uma investigação adequada e os responsáveis raramente são levados à justiça.

Desde 1985, 466 confrontos foram registrados pela Comissão Pastoral da Terra, que resultaram no assassinato de 702 pessoas. Nesse período, o sul e sudeste do estado foram palco de massacres emblemáticos dos níveis de violência e impunidade no campo, como o Massacre de Eldorado dos Carajás em 1996, no qual 19 pessoas foram assassinadas; e o Massacre de Pau d’Arco em 2017, que resultou em 10 assassinatos. Nos dois casos, os processos criminais resultantes foram marcados por irregularidades, assim como pela impunidade característica desse tipo de violência na região.

Tais assassinatos são associados à repressão de movimentos sociais que reivindicam direitos de acesso à terra, sobretudo no marco da Reforma Agrária e da função social da propriedade, reconhecida pela Constituição Federal de 1988. Invariavelmente, as vítimas dos conflitos são pessoas trabalhadoras rurais e camponesas, que sofrem também campanhas de estigmatização e criminalização por parte da elite agrária local. Medidas administrativas e judiciais contra trabalhadoras e trabalhadores rurais são comumente empregadas com o intuito de reprimir e desestruturar movimentos sociais no campo.

Em especial, a Front Line Defenders manifesta a sua preocupação e condena ante uma série de audiências de reintegração de posse2 e possíveis despejos previstos para os meses de junho, julho e agosto os quais além de colocar em uma maior situação de vulnerabilidade as lideranças locais, movimentos sociais e defensores de direitos humanos que apoiam estes processos, poderiam deixar mais de 2000 famílias desamparadas sem lugar onde viver e trabalhar para subsistir.

A Front Line Defenders tomou conhecimento de ao menos 11 comunidades3 que estão prestes a serem despejadas na região sul e sudeste do Pará, que estão prestes a serem despejadas na região sul e sudeste do Pará, na sua maioria áreas com titularidade questionável ou processos administrativos em andamento. Entre elas, áreas de ocupação consolidada, como o Acampamento Dalcidio Jurandir (fazenda Maria Bonita), em Eldorado dos Carajás, que tem audiência prevista para o dia 12 de junho, ou ainda áreas que foram palco de massacres e que estão em processo de investigação, como o caso do Acampamento Jane Júlia (Fazenda Santa Lucia) em Pau D’Arco, cuja audiência está marcada para o dia 26 de junho.

Não é a primeira vez que a Front Line Defenders visita a área ou se pronuncia sobre a situação no sul e sudeste do Pará.

É com pesar que constatamos como a situação geral para a defesa dos direitos humanos não melhorou desde a última visita à região em 2018, e, pelo contrário, vem sofrendo consecutivos golpes em um contexto político que criminaliza a luta pela terra desde os mais altos níveis de governo – incluindo (e a começar pelo) Presidente da República que, desde o início de 2019, emitiu e ampliou uma série de medidas que têm como alvo o desmonte de estruturas de acesso e salvaguarda ao direito ao acesso à terra.

Durante a missão, a Front Line Defenders expressou sua solidariedade a dezenas de lideranças, trabalhadores e trabalhadoras rurais, cujos direitos vêm sendo sistematicamente violentados por diferentes instancias do governo, e se comprometeu a seguir acompanhando e denunciando esta situação. A Front Line Defenders continua preocupada pela impunidade nos crimes cometidos contra trabalhadores rurais e lideranças, e pela falta de uma estrutura governamental efetiva que possa responder às ameaças e ataques contra defensores/as de direitos humanos.

Finalmente, a Front Line Defenders gostaria de lembrar as autoridades do Brasil que, assim como elucidado na RESOLUÇÃO Nº 10, DE 17 DE OUTUBRO DE 2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, a “propositura de demanda judicial, visando à retirada forçada de grupos que demandam proteção especial do Estado, sem que seja oferecida solução adequada (...) viola direitos humanos” e que “a atuação do Estado deve ser orientada à solução pacífica e definitiva dos conflitos, primando pela garantia de permanência dos grupos em situação de vulnerabilidade nas áreas em que vivem, ocupam e reivindicam, em condições de segurança e vida digna”.

Para contatar com a Front Line Defenders sobre esta nota escrever para: americas@frontlinedefenders.org

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1 Além das reuniões com defensores/as de direitos humanos, agentes da pastoral, lideranças, trabalhadores/as rurais e advogados dos municípios mencionados, a Front Line Defenders se reuniu com uma comissão de trabalhadores/as rurais e defensores/as de direitos humanos ocupantes da Fazenda 1.200 e visitou e conversou com lideranças e moradores de: Acampamento Helenira Resende, Acampamento Hugo Chavez, Acampamento Dalcídio Jurandir, Acampamento Guerreiros do Campo, Acampamento Planalto Serra Dourada, Acampamento Jane Júlia.

2 No Brasil, a judicialização de disputas agrarias raramente é traduzida em uma real aplicação da lei. Em tribunais brasileiros, audiências de reintegração de posse são comumente conduzidas de maneira a bloquear o acesso ao direito a terra por parte de comunidades que buscam efetivar seus direitos constitucionalmente reconhecidos. Por exemplo, para que uma ocupação seja considerada ilegal, o Código de Processo Civil brasileiro exige a prova comprovação de posse da terra pelo autor da ação. No entanto, é comum que tais grupos sejam expulsos com base somente em títulos de propriedade, que são insuficientes para provar o uso da terra (posse), e que muitas vezes são falsificados através de práticas de grilagem. Ademais, é importante ressaltar o caráter discriminatório presente no texto da lei, cujo Art. 562 permite a expedição de mandados liminares de reintegração de posse sem que a população ocupante seja sequer ouvida.

3 Informação coletada posterior à visita mostra que este número seria ainda maior, com pelo menos 15 já confirmadas somente no sul do Pará.