Brasil no topo da lista de assassinatos de DDHs em 2016
De acordo com o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, pelo menos 24 defensores/as de direitos humanos (DDHs) foram mortos nos primeiros quatro meses de 2016, colocando o Brasil no topo da lista de assassinatos de DDHs neste ano. O Comitê, formado por ONGs e representantes da sociedade civil, denunciaram essa escalada da violência à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA), destacando o fato que essa violência inclui ameaças de morte, intimidação, estigmatização, utilização indevida do sistema judicial contra defensores/as de direitos humanos, vigilância e até mesmo assassinato.
Essa escalada na violência contra DDHs acontece no contexto de instabilidade política, tumulto e agitação social, revolvendo o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Essa situação é particularmente preocupante uma vez que um dos primeiros atos do novo governo interino foi a extinção do Ministério dos Direitos Humanos, sinalizando um descompromisso do Governo Federal com a proteção dos direitos humanos. Ainda, o recém nomeado Ministro da Justiça (Alexandre de Moraes), agora responsável pela supervisão das questões envolvendo direitos humanos, declarou recentemente que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) usou “táticas de guerrilha” em protestos recentes. Esse tipo de linguagem serve apenas para escalar a violência ao mesmo tempo que estigmatiza protestos legítimos de DDHs. Saliente-se ainda que o Brasil adotou recentemente uma legislação anti-terrorismo, que muitos temem poder ser usada contra DDHs, particularmente durente os Jogos Olímpicos, quando os protestetos deveram aumentar devido a atenção internacional.
Enilson Ribeiro dos Santos e Valdiro Chagas de Moura foram assassinados em janeiro. Ambos eram casados e tinham filhas, e a esposa de Enilson ainda estava grávida. Eles estavam envolvidos na luta por terra no Estado de Rondônia e foram perseguidos e executados na cidade de Jaru. Eles eram membros da Liga dos Camponeses Pobres (LCP). De acordo com a Organização, eles receberam ameaças de latifundiários locais. Acrescente-se ainda que DDHs da região estão preocupados com as alegações de conluio entre latifundiários e membros da Polícia Militar, suspeitos de envolvimento nas mortes e ataques contra DDHs. Assim, tendo em vista a urgência do caso, o Governo Federal deve iniciar uma investigação externa, independente e imparcial, conduzida pela Policia Federal, sobre as atividades da Polícia Militar do Estado de Rondônia.
Em um dos casos destacados no relatório entregue ao Relator Especial das Nações Unidas para os Defensores de Direitos Humanos, Michel Forst, a Polícia Militar do Estado do Paraná preparou uma emboscada contra famílias do MST, no dia 07 de abril, resultando em duas mortes, 7 feridos e dois DDHs presos. Esse é apenas um exemplo do uso excessivo da força pela Políca Militar. O Brasil ignora repetidamente as recomendações da comunidade internacional de demilitarização das Polícias Militares Estaduais, por seu envolvimento em violações aos direitos humanos. Em 2012, a Revisão Periódica Universal (RPU) das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no Brasil recomendou a desmilitarização da polícia; entretanto, das 170 recomendações apresentadas, essa foi a única rejeitada pelo governo brasileiro. Igualmente, Philip Alston, Relator Especial das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, fez a mesma recomendação em 2008, 2009 e 2011. É importante ressaltar que antes de ser nomeado Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes foi Secretário de Segurança Pública no Estado de São Paulo. Foi sob o seu comando que a Polícia Militar reprimiu violentamente protestos organizados por estudantes secundáristas contra a reorganização dos sistema escolar. Essa ação foi denunciada por ONGs na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em dezembro passado.
De acordo com a informação divulgada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a maioria dos assassinatos ocorrem nos Estados do Maranhão, Rondônia e Pará. Outrossim, a maioria das mortes estão relacionadas com DDHs da questão agrária, laboral e indígena.
Edmilson Alves da Silva, pai de cinco, foi assassinado na região norte do Brasil. Ele era um líder da luta agrária e ambiental na região de Alagoas, bem como organizador de ocupações e de denúncias de crimes ambientais cometidas por fazendeiros da região. Ele era o coordenador do assentamento Irmã Daniela, um símbolo da luta por terra. A ocupação iniciou em 2002 e foi reconhecida oficialmente como assentamento, no programa de reforma agrária, em 2014. Todos os filhos de Edmilson nasceram no acampamento, local onde ele foi baleado por dois homens em uma moto, quando saía para buscar cestas básicas para membros do assentamento. Sua esposa ouviu os tiros e saiu para ver o marido no chão: “Eu corri para socorrê-lo, mas já não tinha jeito, estava morto”.
Jornalistas também correm grandes riscos no Brasil. Ocupando a posição 104 no ranking mundial da liberdade de imprensa, o Brasil também foi classificado como o país com o terceiro maior número de assassinatos de jornalistas em 2015, pelo Comitê para Proteção dos Jornalistas. Pelo menos três desses jornalistas foram mortos pelo seu trabalho como DDHs, conforme destacado pela Front Line Defenders no nosso relatório anual de 2016. Djalma Santos da Conceição denunciava corrupção, enquanto Gleydson Carvalho expôs crimes cometidos por policiais e políticos. Gerardo Seferino Servian foi um crítico de um político local durante sua campanha para reeleição. No Brasil, denunciar violações aos direitos humanos é suficiente para ter uma sentença de morte decretada.
A CIDH, um órgão da OEA, divulgou uma nota de repúdio aos assassinatos no dia 27 de abril, e condenando também a “situação geral de perseguição, intimidação e ameaças contra defensores”. Além disso, a CIDH instou ao Brasil a “tomar todos os passos necessários para garantir a vida, integridade e segurança dos defensores de direitos humanos”.
Apesar do Brasil ter sido pioneiro na criação de um Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, está claro que o sistema não está funcionando. É imprescindível que o governo interino do Brasil reafirme o compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos e do trabalho dos defensores/as dos direitos humanos.
Diante disso, a comunidade internacional não pode tolerar essa rápida escalada de violência contra DDHs, e deve pressionar o governo brasileiro à adotar medidas urgentes para proteção dos DDHs. Agora é o momento para enviar essa mensagem, tendo em vista que o recém nomeado Ministro das Relações Exteriores (José Serra) está na Europa, para negociações sobre acordos comerciais. A Europa está negociando um acordo com o Mercosul, incluindo o Brasil, como parte de um Acordo Geral de Associação, que terá um fator político. Nós instamos à Comissária Europeia para o Comércio, Cecilia Malmstrom, que comunique ao Ministro Serra que essa ineficácia do governo em proteger DDHs pode comprometer seriamente a situação do Brasil como parceiro estratégico da União Europeia. A urgência da situação impede que se aguarde a próxima reunião de alto nível sobre direitos humanos com o Brasil, ou qualquer outra reunião de alto nível. É necessário também que a mensagem seja enviada pelo mais alto nível, por você, e intimamente conectada ao verdadeiro ponto crucial na relação entre Brasil/Europa, o comércio.