Defensora dos direitos humanos Jane Beatriz da Silva Nunes é morta
A Front Line Defenders condena o assassinato da defensora dos direitos humanos Jane Beatriz da Silva Nunes, morta durante uma operação da Brigada Militar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Jane Beatriz da Silva Nunes foi uma respeitada defensora de direitos humanos e ativista do movimento negro e feminista em Grande Cruzeiro. Morando na comunidade há mais de quarenta anos, Jane Beatriz da Silva Nunes esteve envolvida em diversos projetos locais, entre eles a fundação da Associação União das Vilas, uma congregação de 36 comunidades no Grande Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre (RS). Ela também contribuiu para a fundação de várias ONGs de apoio às mulheres, incluindo a Associação Maria Mulher Mulher Solidária da Vila Cruzeiro (Assmusol), e para a execução do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) na comunidade.
No dia 8 de dezembro de 2020, policiais sem mandado invadiram a casa de Jane Beatriz da Silva Nunes, no Grande Cruzeiro. A defensora dos direitos humanos confrontou os policiais, afirmando seus direitos à dignidade, privacidade e inviolabilidade de seu lar. As circunstâncias de sua morte ainda não foram esclarecidas e diferentes versões do que aconteceu foram tornadas públicas. Em 11 de dezembro de 2020, a Themis - Justiça de Gênero e Direitos Humanos, organização da sociedade civil sediada em Porto Alegre, que combate as injustiças e a discriminação enfrentadas por mulheres no sistema de justiça, pediu uma investigação completa e imparcial sobre o ocorrido.
Segundo relatos de moradores e organizações locais, invasões domiciliares sem mandado são uma prática padrão e regular da Brigada Militar da Grande Cruzeiro, com o objetivo de intimidar a comunidade local e os defensores dos direitos humanos. A morte de Jane Beatriz da Silva Nunes não é um caso isolado, mas, infelizmente, mais um exemplo da segmentação discriminatória da população negra no Brasil. Só em 2020, no estado do Rio Grande do Sul, pelo menos 90 mortes foram causadas pela brutalidade policial. Em tal contexto, ser uma mulher negra defensora dos direitos humanos que é proeminente e visível na comunidade por si só já representa um sério risco. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das pessoas mortas no Brasil em 2019 eram negras e, entre 2007 e 2017, o assassinato de mulheres negras aumentou 29,9%.
O perfil racial seguido por atos de violência policial é um problema constante no Brasil que impacta de forma crítica a capacidade dos defensores negros dos direitos humanos de trabalhar com segurança. Em 2020, o 'Movimento das Favelas' do Rio de Janeiro, em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e diversas organizações da sociedade civil1, trouxeram ao Supremo Tribunal Federal (STF) ação relativa a esta violência. A ADPF 635, popularmente conhecida como “ADPF das Favelas”, buscou reconhecer e remediar as graves violações da política de segurança pública sobre a população negra e pobre nas favelas e bairros pobres durante operações policiais. O 'Movimento das Favelas' obteve a suspensão das atividades policiais em favelas e bairros pobres do estado do Rio de Janeiro durante a pandemia da COVID-19. Embora esta decisão do Supremo Tribunal Federal tenha representado uma vitória da sociedade civil , as medidas legais da ADPF ainda precisam ser efetivamente implementadas, já que o governo do Rio de Janeiro tem descumprido em várias ocasiões. Na ausência dessa implementação, dada a natureza de seu trabalho, os defensores dos direitos humanos permanecem sob grave risco de a brutalidade policial; sua proeminência e visibilidade nas comunidades significa que provavelmente terão que suportar o peso por essa violência generalizada.
1Outras organizações que participaram da ação, dentre as quais: Coletivo Papo Reto, Redes da Maré, Educafro, Justiça Global, Conectas Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado, Iser, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial/IDMJR, Coletivo Fala Akari, Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência e Mães de Manguinhos
A Front Line Defenders condena a violência usada pela polícia no Brasil e o impacto desigual que esse perfil racial e policiamento discriminatório têm sobre membros do movimento negro, movimento feminista e defensores dos direitos humanos no Brasil. A Front Line Defenders condena o assassinato da defensora dos direitos humanos Jane Beatriz da Silva Nunes, por acreditar que seu trabalho como defensora dos direitos humanos e sua morte subsequente foi resultado da violência indiscriminada que não só a população negra no Brasil, mas também mulheres defensoras dos direitos humanos, são confrontadas diariamente. Apela às autoridades brasileiras para que realizem uma investigação completa e imparcial sobre a causa e as circunstâncias da morte de Jane Beatriz da Silva Nunes. A Front Line Defenders encoraja as autoridades a garantir que todos os defensores dos direitos humanos no Brasil possam realizar suas atividades sem medo de represálias e livres de todas as restrições.