Ataques incitados por duplicidade de critérios dos governos não conseguem deter defensores/as de direitos humanos
- Em 2023, foram pelo menos 300 defensores/as mortos/as em 28 países por seus trabalhos pacíficos
Uma estrutura internacional de direitos humanos oscilante e a hipocrisia por parte dos governos exacerbaram uma crescente onda de assassinatos, criminalização e uma série de outras ameaças que dificultaram o trabalho de defensores/as de direitos humanos (DDHs) em 2023, disse a Front Line Defenders ao lançar um novo relatório.
A Análise Global da Front Line Defenders 2023/24 fornece um panorama detalhado das violações contra defensores/as de direitos humanos em todas as regiões do mundo no ano passado.
O relatório também divulga estatísticas geradas e verificadas pela iniciativa Memorial DDH – coordenada pela Front Line Defenders – sobre os assassinatos de pelo menos 300 defensores/as de direitos humanos em 28 países em 2023. Quase um terço dos assassinatos (31%) eram de defensores/as dos direitos dos povos indígenas. Isso aumenta o total de assassinatos documentados de defensores/as de direitos humanos na última década para quase 3.000.
“Essa cruel onda de ataques a defensores/as de direitos humanos é resultado direto do desmantelamento da estrutura internacional de direitos humanos e da duplicidade de critérios dos governos relativa ao respeito aos direitos humanos”, disse Alan Glasgow, Diretor Executivo da Front Line Defenders.
“Depois de um quarto de século da adoção pela ONU de uma Declaração sobre defensores/as de direitos humanos, não houve progresso suficiente para garantir que os/as defensores/as sejam valorizados/as e protegidos/as. Neste ínterim, milhares de defensores/as pagaram com suas vidas e muitos/as outros/as vêm sofrendo ataques e intimidações continuamente por seus trabalhos pacíficos. É necessária uma ação urgente para mudar isso.”
Diversos tipos de riscos para DDHs
Globalmente, a violação citada com mais frequência por defensores/as de direitos humanos foi a prisão/detenção arbitrária (15%) seguida de processo judicial (13%), mantendo uma tendência contínua da criminalização como o risco mais relatado. Em seguida, vieram ameaças de morte (10,2%), vigilância contra DDHs (9,8%) e ataques físicos (8,5%). Defensores/as de direitos humanos trans e de gênero não-conformista relataram níveis ligeiramente mais altos de ataques físicos e um risco muito maior de campanhas difamatórias.
Globalmente, os cinco campos de defesa dos direitos humanos mais atacados foram: direitos LGBTIQ+ (10,2%); direitos das mulheres (9,7%); movimentos de direitos humanos (8,5%); direitos dos povos indígenas (7,1%); e documentação de direitos humanos (5,2%).
Defensores/as LGBTIQ+ sob ataque
Pela primeira vez, os dados evidenciam um violento ataque contra defensores/as de direitos humanos lutando por direitos LGBTIQ+ em muitas partes do mundo, totalizando mais de um décimo de todos os ataques relatados no mundo todo. Defensores/as LGBTIQ+ foram o grupo mais visado na África (23%) e na Europa e Ásia Central (17%) e estão entre os cinco mais visados/as na Ásia e no Pacífico.
Isto reflete uma tendência no aumento do uso da violência, da vigilância, das ameaças de morte, das campanhas difamatórias e de outras intimidações para silenciar e estigmatizar os/as defensores/as LGBTIQ+. Em 2023, defensores/as LGBTIQ+ representaram 5% dos assassinatos documentados pelo Memorial DDH.
Essa tendência alarmante foi indicada pelo uso de leis excessivamente severas, inclusive em Uganda, que aprovou uma Lei Anti-Homossexualidade permitindo a pena de morte para “homossexualidade agravada”; e na Rússia, cuja Suprema Corte caracterizou o “movimento LGBT internacional” como extremista.
Conflito e crise
Em um período com mais conflitos violentos do que em qualquer outro período desde a Segunda Guerra Mundial, vem se tornando cada vez mais claro que defensores/as de direitos humanos são frequentemente visados/as por conta do trabalho vital que realizam em contextos de conflito.
Este foi o caso no Sudão, onde a Front Line Defenders documentou o assassinato de oito DDHs. O trabalho de DDHs frequentemente os/as coloca em maior risco de violência de facções em guerra, mas eles/as possuem poucas opções destinadas a garantir sua segurança de forma urgente.
Em meio ao bombardeio e cerco de Gaza por Israel, civis, incluindo defensores/as de direitos humanos e suas famílias, sofreram o impacto esmagador dos ataques. Jornalistas e médicos/as DDHs e outros/as defensores/as foram alvo de assassinatos, violência e detenção arbitrária com maus-tratos.
A resposta internacional ao conflito expôs uma hipocrisia profundamente enraizada de alguns governos, que dizem apoiar os direitos humanos.
Guerras e crises em outros lugares do mundo também tiveram um impacto devastador sobre DDHs, inclusive na Ucrânia, Mianmar, Etiópia, RDC, Caxemira, Afeganistão, Colômbia, México e Síria.
Em contextos muito masculinizados de conflito, aumentam os riscos enfrentados por DDHs e por quem defende a justiça de gênero. De acordo com os dados de 2023 da Front Line Defenders, DDHs que promovem e protegem os direitos das mulheres no Oriente Médio e no Norte da África, onde estão ocorrendo diversos conflitos, representavam o grupo de defensores/as de direitos humanos sob maior risco na região. Esses riscos variaram de ataques físicos e desaparecimentos a criminalização, ameaças, difamação online e até assassinatos seletivos.
Repressão contra o direito ao protesto
Em muitas partes do mundo, os protestos públicos contra decisões impopulares de governos foram tratados de forma violenta pela polícia. Em vez de respeitar manifestações pacíficas e proteger o direito ao protesto, os estados estão agindo para restringi-lo e criminalizar as pessoas envolvidas na organização ou liderança de protestos.
De acordo com os dados de 2023 da Front Line Defenders, nos casos em que DDHs enfrentaram acusações criminais, dentre as mais comuns estavam acusações relacionadas a crimes contra a liberdade de reunião ou contra a ordem pública.
“Os governos do mundo todo devem aproveitar a oportunidade para tratar os/as defensores/as de direitos humanos não como uma ameaça ao poder, mas como agentes de mudança positiva e crítica que buscam melhorar as sociedades e defender os direitos humanos”, disse Alan Glasgow.
“Algumas formas pelas quais os governos podem proteger os/as defensores/as de direitos humanos e defender seus trabalhos cruciais incluem fortalecer a oscilante estrutura internacional de direitos humanos, acabar com a hipocrisia em relação aos direitos humanos e revogar leis que os restringem.”
As estatísticas na Análise Global advêm dos estudos de caso da Front Line Defenders e dos pedidos de subvenção aprovados entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2023. As estatísticas se baseiam em 1.538 violações relatadas em 105 países. A Front Line Defenders documenta diversas violações por caso ou subvenção, pois essa é a realidade vivida por defensores/as de direitos humanos. Para obter mais detalhes sobre a coleta destes dados e dos dados do Memorial DDH, consulte a seção Metodologia ao final do relatório.