Gilmara Cunha
O desafio é EXISTIR com a regressão política e com o aumento de assassinatos de pessoas trans. Não consigo ver um cenário favorável para o nosso segmento da sociedade, mas acho que a única forma de participação está nas urnas e em nossa luta diária. Entendo que nós, a população trans, devemos estar dentro dos edifícios que moldam as políticas que nos afetam.
Gilmara Cunha é uma mulher trans, defensora de direitos humanos, da Favela da Maré, no Rio de Janeiro. É fundadora e coordenadora geral da Conexão G, organização da sociedade civil que trabalha desde 2006 com a missão de lutar por políticas públicas de direitos humanos, saúde, educação pública e segurança para as pessoas LGBTI + que vivem nas favelas.
O contexto em que Gilmara trabalha é extremamente desafiador. As favelas são afetadas por altos níveis de violência, inclusive policial. Na manhã de 19 de novembro de 2019, Gilmara Cunha informou no Facebook que sua casa havia sido alvejada ao amanhecer. A causa foi uma das operações policiais que frequentemente ocorrem nas favelas sob o pretexto de combater o narcotráfico. Somente de janeiro a agosto de 2019, houve no Rio de Janeiro 1.144 mortes causadas por policiais, um aumento de 18% em relação ao ano anterior. Em setembro de 2019, o 1º Festival LGBTI de Cultura e Cidadania das Favelas, organizado pela organização de Gilmara, foi forçado a interromper suas atividades devido a uma operação policial na Favela da Maré. Dois habitantes foram mortos durante a operação, que durou aproximadamente 20 horas. As pessoas que compareceram ao evento tiveram que permanecer trancadas até que a operação cessasse.
Também conhecido mundialmente pelas altas taxas de violência homofóbica e transfóbica, o Brasil é o país com o maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo. Segundo o Grupo Gay da Bahia, 420 pessoas LGBTI + foram mortas em 2018, das quais 163 eram pessoas trans. Um total de 1650 pessoas LGBTI + foram mortas no Brasil entre 2014 e 2019.
Gilmara continua seu trabalho inspirador, apesar dessa extrema violência, concentrando-se em garantir apoio às pessoas LGBTI + em algumas das áreas mais carentes do Rio de Janeiro. Gilmara acredita que o que sensibiliza as pessoas é o contato diário com outras pessoas: “o que faz a sensibilização é o contato do cotidiano com a outra pessoa. As relações mais próximas é que conseguem de alguma forma fazer essa transformação dentro de cada pessoa. E essa pessoa acaba se tornando agente, promotor e vai criando-se uma rede onde um sensibiliza o outro. Palavras vão convencer, mas o gesto arrasta. Se hoje a gente tem essa instituição e outras pessoas que são adeptas da questão LGBT, isso já é uma transformação.”
O Conexão G nasceu com a missão de criar um projeto de longo prazo para a Maré e outras favelas. Seus eixos conceituais são os direitos humanos e a promoção da saúde dessa população no espaço comunitário. Consciente da necessidade de mobilizar um número significativo de pessoas, o Conexão G, como o nome sugere, busca organizar uma ação coletiva e articulada: construir um projeto de alto impacto para combater a incidência de baixa estima na população trans. Isso está centrado no objetivo de transformar nossa realidade local e as realidades em outros espaços dentro da favela.